terça-feira, 2 de dezembro de 2008

FILME: ESCRITORES DA LIBERDADE
Este filme conta a história de uma professora, nos anos 90, tempo que se vivenciava uma reforma educacional nos EUA, na qual buscava-se implantar uma política pedagógica baseada na integração das múltiplas culturas, as quais compunham a comunidade escolar.
Várias cenas mostram os diversos grupos em plano geral e plano de conjunto, dentro da sala de aula assim como no momento do intervalo das aulas. Por exemplo, aos nove minutos uma imagem significativa se faz presente, nesta cena os educandos estão distribuídos no espaço pedagógico de tal forma, que se impossibilita qualquer integração individual e coletiva. Fica evidente aí, a dimensão apenas discursiva da proposta de democratização na escola, pois na prática a exclusão sociocultural prevalecia.
Um pouco mais a frente, uma cena em close destaca um aparelho de controle policial na perna de uma educanda e o olhar apreensivo da educadora, tentando entender o que aquilo poderia representar. Mais amadurecida, ao dialogar com o colega da escola, a educadora começa a decifrar a mentalidade que direciona todo trabalho pedagógico daquela instituição educativa. Neste sentido, fica claro que este espaço procurava, acima de tudo, a reprodução do status quo daquela sociedade.
Aos treze minutos uma educanda faz uma avaliação muito interessante da escola, e, por conseqüência, a educadora começa a refletir de forma mais concreta sobre seu trabalho pedagógico. Esta situação leva a educadora a mudar sua proposta de trabalho, pois agora os conteúdos, metodologia e avaliação serão revistos. A própria instância narrativa segue esta perspectiva, valorizando cada vez mais o diálogo entre educandos e educadora. Um exemplo destes acontecimentos é quando a educadora utiliza em sala, o gênero musical HIP-HOP, com o intuito de estimular a participação dos educandos.
Numa fala aos vinte sete minutos o diretor da escola deixa claro que a instituição não deve discutir problemas da realidade dos educandos. Como por exemplo, o assassinato de um dos integrantes da escola. Isso demonstra que o sistema aposta na continuidade dos conflitos inter-étnicos.
No minuto trinta e dois, uma educanda pergunta à educadora e consequentemente a escola/sociedade: “O que você está ensinando aqui que fará diferença na minha vida?” Logo depois ocorre a experiência da mudança das carteiras, numa perspectiva mais dialógica e democrática.
Outro fator importante perceptivo no processo pedagógico é a vivência do audiovisual, a exemplo das visitas ao museu da imagem e a assistência do documentário dos anos sessenta, sobre o movimento de luta dos direitos civis, vivenciado em sala de aula.
Uma das primeiras mudanças ocorridas neste processo foi o início da desmobilização das fronteiras existentes na sala de aula. As cenas que ilustram tal contexto nos mostra quão difícil é superar preconceitos irraigados, construídos pela cultura, entre diferentes etnias. A partir de um desenho feito por um dos educandos, no qual zombava da estética de outro colega, a educadora mediou um debate sobre o holocausto, que passaria a ser o conteúdo curricular desenvolvido naquela turma numa perspectiva dialógica com o conhecimento popular/existencial dos educandos. Depois de ter uma experiência terrível na biblioteca, onde descobriu que aquele espaço e seu conteúdo era algo de ilusório, somado à conversa que teve com outro professor, a professora G decide tomar uma nova postura, focando nos educandos suas ações e estratégias, procurando mediá-los a uma conscientização de que na diversidade dos grupos culturais existem unidade e significado humano. Paralelamente a isso, ela faz um trabalho de base na esfera do poder público, no qual se faz o esclarecimento de sua proposta e retorno de resultados.
Com a atividade da faixa no meio da sala e a alternativa da construção de um diário, a educadora conseguiu possibilitar novos espaços de expressão e de percepção do mundo dos jovens. Com o tempo estes educandos começaram a enxergar que aquele conhecimento vivenciado em sala e em outros espaços, tinha sua importância na formação para a escola e para vida.
Quando esta obra imagética alcança uma hora e vinte e um minutos já se vislumbra novas perspectivas de atitudes, posturas e reflexões por parte dos educandos, pois a partir de agora eles começam a se mobilizar para superarem as suas necessidades individuais e coletivas.
Vários temas são trabalhados na história do filme, de maneira criativa e reflexiva, possibilitando sua vivência no trabalho pedagógico nas escolas da contemporaneidade. Por exemplo, a convivência entre culturas diferentes no espaço escolar. Sabe-se que na realidade, assim como fica evidente no filme, o sistema de ensino procura amenizar os conflitos sociais, mascarando a realidade de uma estrutura social altamente excludente. Neste sentido, a escola está aberta para o público, mas não procura valorizar sua permanência. Fazendo assim, as ruas diminuem sua carga de conflitos, transferindo para o interior da escola todo o processo de preconceito e intolerância. No filme ocorre um amadurecimento gradativo dos educandos sobre a intenção do sistema em manter a divisão entre os grupos que compunham a comunidade escolar. A educadora, neste arranjo, procura ao mesmo tempo despertar o grupo de educandos e aproveitar as brechas institucionais, ocupando espaços com estratégias participativas.
Imaginemos que uma escola em Goiânia esteja passando por semelhante experiência, com a necessidade de contemplar esta temática das diferenças culturais dentro das suas paredes. Caso for este o exemplo, uma proposta de currículo interdisciplinar poderá ser viável no trabalho pedagógico para ampliação da participação do grupo de educandos. Os oito componentes curriculares, mediante esta temática significativa, terá condições de mobilizar a comunidade escolar para uma proposta que possibilitará uma parceria entre conhecimento cientifico e conhecimento popular, visando o avanço do senso crítico das pessoas envolvidas neste processo dialógico.
Na atualidade que vivemos a cultura têm experimentado um alto grau de hibridismo e convivência múltipla entre as várias comunidades culturais que compõem a sociedade. Sendo assim, o currículo trabalhado na escola não pode valorizar uma cultura de elite como única a ser considerada, pois o que se percebe numa perspectiva democrática pró-vida é que não existe uma cultura melhor comparada à outra, e sim culturas que contém em si incompletudes, às quais se fortalecem na relação de troca com outras culturas.
Mesmo com todo esse dinâmico processo, a identidade de cada pessoa não se tornará um objeto manipulável, pois o indivíduo numa relação de influência com seu meio e com outras experiências culturais, não se molda como se fosse uma porção de argila, mas faz suas elaborações e se coloca, de maneira muitas vezes, sutil, e isso quase imperceptível a uma ciência social fundamentada no paradigma positivista.
Para melhor entendimento deste complexo sistema é importante esclarecer que quem detém o poder na sociedade percebe, como maior risco ao seu status, a união dos diferentes grupos étnicos, não numa perspectiva homogeneizadora, mas sim na elaboração e vivência de um convívio mais solidário e democrático, na relação dos conflitos com os acordos.
Sendo assim, múltiplas estratégias são articuladas pelos poderes estabelecidos para gerar um mal estar permanente entre as comunidades culturais. Essa tendência aflora nas ruas, nas escolas, nas prisões, locais de disputas esportivas, mídia e em outros espaços de expressão cultural. Parte deste caos é fruto também de uma situação de sobrevivência quase no limite, o que leva a uma atitude pouco tolerante com relação às diferenças, devido o medo de ser prejudicado.
Percebe-se então a mais forte intenção do sistema dominante, o qual não procura superar estes problemas sociais, mas sim mantê-los num nível tolerável e justificável por um discurso que não problematiza estas questões.
Fica evidente que um dos pontos mais importantes do filme é o destaque da necessidade de se dar espaço dentro da escola às múltiplas linguagens que compõem o universo existencial das pessoas. O componente Arte poderá refletir com os educandos a importância e o respeito que se deve ter com relação às múltiplas linguagens no meio social. Um exemplo disso é a cena que mostra à educadora usando a música HIP-HIP com a intenção de envolver os educandos, e assim fazendo, ela também é afetada, pois daí ocorre uma maior compreensão do mundo daquele grupo. Isso tem a ver com a temática: as diferenças culturais dentro da escola. Sendo assim, a educadora buscará um espaço comum de convivência e de expressão dos educandos.
A História poderá solicitar dos educandos uma pesquisa da região onde se encontra a escola, com a intenção de aprofundar as questões socioculturais. Fazendo um paralelo com o filme no que tange a historicidade da formação daquele determinado caldo cultural. É fundamental refletir com os educandos sua própria realidade, chamando a atenção para uma problematização sempre mais complexa na sua relação com o conhecimento científico, numa perspectiva intervencionista neste mesmo meio.
No caso da Matemática uma possibilidade interessante de trabalhar a obra filmográfica seria a exposição novamente de cenas da sala de aula, buscando um mapeamento percentual dos grupos étnicos que compunham a mesma. Tendo posse desses dados, começar a fazer um paralelo com a nossa realidade, questionando se é possível tribos diferentes conviverem num mesmo espaço.
Com a Educação Física ter-se-ia a possibilidade de ponderar sobre as múltiplas formas de expressão corporal dos variados grupos tanto no filme quanto na própria escola. Ocorrendo a conscientização das diferenças e a disposição do saber conviver, o ambiente escolar vivenciará uma dinâmica mais democrática.
A Geografia poderia fazer um paralelo entre o meio ambiente em que viviam as pessoas no filme com a realidade espacial dos educandos da escola. Com esta discussão, este componente curricular ajudará a comunidade escolar a perceber o quão é importante respeitar o espaço do semelhante com vistas a uma atitude inclusiva na convivência social. Sendo assim, as diferenças poderão ajudar no amadurecimento pessoal e coletivo. Da mesma forma este componente curricular poderá fazer uma comparação entre o espaço da sala de aula, no filme, dos educandos “notáveis”, com a sala dos educandos “problemas”. Sete minutos e trinta segundos.
A partir da Língua Portuguesa, redações poderão ser produzidas, semelhantemente ao que aconteceu no filme. Fazendo desta prática um cotidiano, histórias pessoais vão começar a se misturarem numa construção poética coletiva. Tal experiência terá condições de propiciar o fortalecimento de laços afetivos/existências de compromisso e responsabilidade com os colegas, mesclado à ampliação do senso crítico com conhecimento dialeticamente fundamentado sem a rigidez do positivismo.
Para a Ciência fica reservado o espaço de trabalhar as influências que a droga e o álcool podem ter no meio das relações sociais, principalmente com relação ao desempenho educacional assim como na instabilidade familiar. Importantes cenas, nesta perspectiva, são mostradas e podem ser valorizadas no trabalho pedagógico.
Com a Língua Estrangeira pode-se trabalhar com criatividade as múltiplas alternativas que este produto cultural propicia ao processo de ensino-aprendizagem. Como sugestão, destaca-se a possibilidade de traduzir, com os educandos, alguma das músicas tocadas, durante o filme.
Todo este trabalho poderá ser consolidado com a atividade da produção de um vídeo feito pela própria escola. Com esta ação pedagógica, fruto de um roteiro articulado coletivamente e de um tema significativo, os educandos serão contemplados em suas necessidades educativas.
Semelhante ao filme Escritores da Liberdade que demonstrou educandos sendo mobilizados por intermédio da produção de um diário, a escola que trabalhar a produção de um vídeo terá condições de articular uma maior participação da comunidade escolar, no processo pedagógico. Vale lembrar que a linguagem do audiovisual tem hoje uma importante influência na mentalidade das pessoas, independente da idade.
A importância desta proposta pode ser “visualizada” na fala do professor Libâneo quando diz: “A escola precisa juntar a imagem e a palavra, porque aprendemos coisas também pelas imagens” (p. 117). Nesta reflexão se pondera que o universo da imagem não é concorrente da palavra, e sim um dos elementos que compõem o saber.
Devido sua capacidade de interagir a razão com as sensibilidades, a prática pedagógica que contemplar a vivência do audiovisual terá condições de gerar uma mobilização significativa por parte dos educandos, numa perspectiva participante, muito além de um conteúdo racionalista/decorativo.
Nesta perspectiva, a experiência estética do filme colaborará na articulação dos componentes curriculares que interagem de forma complexa o saber, superando a tendência de considerar o conhecimento científico como algo apenas cognitivo, sem ponderar os aspectos conflitivos do seu limite histórico e de suas influências socioculturais. Libâneo (2005) pondera sobre o valor pedagógico da vivência cinematográfica na escola, quando destaca que “o cinema precisa fazer parte do projeto pedagógico-curricular, precisa ser uma atividade sistemática, entrar nos eventos de rotina da escola, encaixar-se num horário, resultar num relatório escrito” (p.119).

Referências Bibliográficas
HIDALGO, L.F.N. Escola imaginada. Monografia da especialização cinema e educação. UEG-IFITEG-Centro Cultural Cara Vídeo. 2007.
LIBÂNEO, J.C. A importância do cinema na escola. Educativa: Goiânia. V.8, No. 1. Jan/Jun. 2005.

Referência Filmográfica
Escritores da Liberdade. 2007.
Luiz Fernando Nunes Hidalgo
Educador, graduado em História, pós-graduado em Cinema e Educação e Planejamento Educacional.

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